Um sorriso largo, exageradamente grande, de escárnio, deboche, ou o único recurso que lhe restou para amenizar a dor. Uma certa ironia capaz de transformar lágrimas em risos e tentar simular que não está doendo. Isso, para tentar salvar do incômodo de quem é infeliz e nem ao menos tem o direito de sê-lo.
O palhaço, a máscara, a pintura, o disfarce, na verdade podem ser a revelação do seu lado sombrio, oculto, guardado no inconsciente. Arrisco ainda dizer que a persona revelou o seu lado mais autêntico.
Ser diferente, bizarro, esquisito e, de certa forma, anormal, num contexto de convenções e padrões sociais fortemente estabelecidos, mais do que incomodar provoca medo, pavor, e - por que não dizer? – desejo. Desejo sim, de arrebentar as mordaças e se rebelar em uma histeria coletiva, em comunhão com outros heróis sem ética, sem caráter, sem ater-se às leis e às regras impostas, mas existindo com personalidade: “Durante toda a minha vida, eu nem sabia se eu realmente existia. Mas existo. E as pessoas estão começando a perceber”, assim disse o Coringa.
A leveza do corpo é a expressão da libertação da sua alma, quando flui tal qual fumaça em busca de um sentimento, ou de simplesmente Ser em seu momento de glória, na tentativa de um encontro consigo mesmo.
Sob a direção de Todd Phillips e com a excêntrica interpretação de Joaquin Phoenix, o filme consegue mudar os sentimentos, antes projetados no vilão Coringa, para o de piedade por uma personalidade frágil, carente, deslocada e incomodada com a própria existência.
O mais importante, porém, é a crítica social, implícita, que o filme apresenta acerca de tabus, preconceitos, questões que não temos coragem de encarar, e da nossa inabilidade em lidar com as pessoas vitimadas por doenças mentais. A tendência é a de tentar a todo custo enquadrar os que sofrem desses males em cidadãos mais próximos dos que consideramos como os “normais”: “A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não a tivesse”, lamenta Arthur Fleck – o Coringa.
É claro que eu me senti tocado com o Coringa e, por isso, resolvi esboçar o meu sentimento frente ao filme, não me importando necessariamente com a realidade que a produção tentou transmitir.
Enfim, Arthur Fleck está disponível para o diálogo dentro de cada um de nós.
Jurandir Santos | diretor educacional do Senac São Bernardo do Campo | psicólogo, pós-graduado em E-Business, mestre em educação e doutor em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista | Autor dos livros: Educação profissional & práticas de avaliação (Editora Senac São Paulo, 2010) | Educação: desafios da atualidade (Editora Compacta, 2012) | Criança e adolescente em foco: dialogando com profissionais e cuidadores, Org. (Editora Senac São Paulo, 2014) | Membro fundador do Grupo de Estudos e Ações para a Paz e não Violência - GEAPAVI
www.jurandirsantos.com.br
Publicado em Revista Expressão ABC e Litoral, edição de novembro/2019, p. 70.
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