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Foto do escritorJurandir Santos

Recordando Paulo Freire

Recordar e refletir sobre as contribuições de Paulo Freire é antes de tudo um ato de amor à educação brasileira. Um homem que ousou romper com o estabelecido, recusou-se a ser prisioneiro, acorrentado às pressões ideológicas e condições socioeconômicas. Sonhava ser doutor para defender sua gente. Gente privada de tudo: do alimento, da água, das letras e da vida. Numa realidade comprometida com a seca, com a fome, com as desesperanças. Entre tantas outras misérias, a cultura do silêncio.


Nos tormentos de sua alma acrescentavam-se questões como: O que é aquilo? Por que tantas desigualdades entre os homens? Quem disse que isso tem de ser assim? Então, percebia o mundo por meio das leituras que tinha construído. Dessa forma, sua obra transforma o autor, que transforma a obra novamente num contínuo processo de ressignificação da vida, por meio da educação desalienadora. Assim, lia e interpretava também que não havia fronteiras nem limites para a capacidade cognitiva humana, nada estava definitivamente pronto, e, ainda, que não se podia resumir a concepção norteadora para a curiosidade e a busca eterna, natural do homem que pensa.


De acordo com sua proposta de pedagogia libertadora, seus conceitos e as teorias decorrentes dessa relação ensino–aprendizagem, fundamentalmente o educador deve ter muito claro de que há um “medo da liberdade” implícito (ou não), subjacente no oprimido a quem se pretende educar. O “perigo da conscientização” de um educando, consequentemente, é o risco que pode oferecer ao sistema, por vezes tão alienador e produtor de massas, de pessoas executoras, não-pensantes, não-reflexivas, “tarefeiras”. Ao contrário, o entendimento possibilita ao indivíduo uma visão real da sua afirmação como sujeito inserido e participante de um processo histórico, evitando fantasias e visões equivocadas de si e dos fatos ao seu redor.


O mestre nos ensinou ainda que a tomada da consciência, muitas vezes, pode trazer desconforto e conflito, abrindo caminho para insatisfações sociais e representando componentes reais de situações de opressão camuflada.


O trabalho dos teóricos e dos professores para analisar e oferecer situações de compreensão e libertação dos oprimidos deve envolver eles mesmos, porque, melhor que ninguém, conhecem o significado de uma sociedade opressora, os efeitos da opressão e a necessidade da libertação.


Nesse sentido, a educação – na sua mais complexa função formativa – só́ tem real efeito se politizada, capaz de devolver ao homem o seu destino, e se no processo de ensino–aprendizagem puder oferecer condições para que educador e educando possam ressignificar as suas vidas e o mundo histórico em que se encontram inseridos.


Então, como disse Paulo Freire em seu livro Pedagogia do Oprimido:

“Já́ agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens educam-se em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na prática ‘bancária’, são possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos educandos passivos” (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975, p. 78).


E estudar, de acordo com Paulo Freire, é uma tarefa difícil, pois, diferente da “educação bancária”, exige postura crítica, sistemática e intelectual do estudante. No momento de busca do insight, de trazer a informação, fazer com que ela provoque alguma reação e, dependendo da intensidade, do interesse e de outras variáveis, leve a uma resposta que pode representar o papel do sujeito transformador de si e do seu meio.


Estudar e ver o mundo tal como ele é requer maior proximidade com a realidade, desenvolver cada vez mais a lucidez e se distanciar da alienação. E também humildade, para que consiga sempre se colocar no lugar de aprendiz, conscientizando-se de que é preciso estabelecer planos para se chegar às respostas necessárias.


De todas as lições destaco que Freire nos deixou o compromisso de cuidar da nossa gente, de prosperar sem perder a dignidade de sermos cidadãos participativos e sujeitos críticos, construtores da nossa realidade e do nosso tempo. De sermos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de decidir e de romper, sempre que necessário.


No dia 2 de maio de 1997, Paulo Reglus Neves Freire nos deixou... e deixou em nós o compromisso de sermos educadores, de levarmos adiante a proposta de uma educação comprometida com a formação da melhor qualidade. Deixou-nos, enfim, o amor pela educação.


SANTOS, Jurandir. Educação: desafios da atualidade. São Paulo: Editora Compacta, 2012, 75-78.




A ilustração é de Ivailson Mendonça.



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